Patentes e Inteligência Artificial: considerações sobre a minuta de diretrizes do INPI

O avanço da inteligência artificial tem colocado os escritórios de propriedade industrial diante de dilemas inéditos: até que ponto invenções desenvolvidas por sistemas autônomos de IA, aquelas assistidas por inteligência artificial ou mesmo baseadas em algoritmos de machine learning podem ser objeto de proteção patentária? Pensando em trazer maior previsibilidade para usuários do sistema, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) abriu a Consulta Pública nº 3/2025, que recebe contribuições até 17 de outubro e trata da minuta das Diretrizes de Exame de Pedidos de Patente relacionados à IA.
A minuta pretende orientar a aplicação de artigos centrais da Lei da Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), como os que tratam da autoria, dos requisitos de patenteabilidade, das matérias excluídas, da atividade inventiva, da suficiência descritiva e do suporte das reivindicações. O texto deixa expresso que invenções geradas de forma totalmente autônoma por sistemas de IA não podem ser patenteadas, já que a autoria deve sempre ser atribuída a uma pessoa natural. Em contrapartida, invenções assistidas por IA, quando há intervenção humana em alguma etapa do processo, podem sim receber proteção, desde que atendam aos demais requisitos legais. O foco do exame, segundo a minuta, deve recair sobre o efeito técnico alcançado pela invenção, resultado de contribuição intelectual humana.
Outro ponto abordado é a exclusão de algoritmos e modelos de IA em si como matéria patenteável, por serem considerados métodos matemáticos ou programas de computador, o que já está previsto no artigo 10 da LPI. Haverá elegibilidade, no entanto, quando a IA for empregada como meio para solucionar um problema técnico, com efeito técnico concreto. Em relação à suficiência descritiva, o INPI reforça que o relatório deve trazer detalhes técnicos que permitam a reprodução da invenção por um especialista, podendo incluir informações sobre datasets, arquiteturas, fluxos de treinamento e parâmetros relevantes. A preocupação é equilibrar a transparência necessária com a preservação de segredos industriais, especialmente diante do fenômeno das chamadas “caixas-pretas” da IA.
A minuta também destaca que a simples substituição de algoritmos ou a automatização de processos conhecidos dificilmente caracterizarão atividade inventiva. Em contrapartida, adaptações técnicas que resultem em efeitos inesperados ou em melhorias significativas, como redução de consumo de energia, maior robustez a ruídos ou melhor desempenho técnico de sistemas, podem sim configurar inventividade. O Brasil, com esse movimento, passa a se alinhar a práticas já observadas em outras jurisdições. Na Europa, por exemplo, só se reconhece patenteabilidade quando há finalidade ou efeito técnico. Nos Estados Unidos, a regra é exigir contribuição humana significativa, com algoritmos tratados como ideias abstratas, a menos que estejam integrados a aplicações práticas com efeitos concretos.
Para empresas e inventores que atuam no campo da inteligência artificial, a consulta pública representa oportunidade de contribuir para um marco regulatório mais claro, além de repensar estratégias de proteção. A forma de redigir pedidos poderá se tornar mais exigente, valorizando a descrição técnica e a ligação entre escolhas de projeto e o efeito técnico obtido. Esse movimento tende a aumentar a segurança jurídica e a previsibilidade no exame de pedidos, beneficiando tanto os depositantes quanto o próprio sistema brasileiro de propriedade industrial.
Com a consulta aberta até 17 de outubro, a comunidade técnica e jurídica tem a oportunidade de se posicionar e influenciar diretamente a forma como o Brasil tratará as invenções relacionadas à inteligência artificial. Para a B2B Marcas & Patentes, trata-se de um passo importante rumo à modernização e ao alinhamento do país com as melhores práticas internacionais. Ao reforçar a centralidade do efeito técnico, da suficiência descritiva e da contribuição humana, o INPI dá um sinal claro de que pretende elevar a qualidade dos exames e, ao mesmo tempo, oferecer mais previsibilidade para aqueles que investem em inovação.
Fonte: https://www.jota.info